Sobre os Estados virtuais

IMG_20180117_184634082.jpgNem todo estímulo seria estímulo de fato não fossem coincidências as mais minimalistas contribuindo para isso. Tem coisas que estão aí, jogadas no mundo em estado caótico, prontas para servirem ao apetite selvagem dos sentidos humanos. Mas as antenas não captam. E o sinal só chega mesmo quando um contexto bem particular entra em cena. Chama a atenção só porque tem algo que faz sentido prévio, nem que seja o errado. Não importa, você imediatamente fica ligado. Chamo a isso de canal das micro coincidências particulares.

Aconteceu comigo. Achei que seria útil à minha pesquisa ler o livro de Jane E. Fountain, especialmente a parte teórica de Construindo o Estado Virtual (tradução literal de Building the Virtual State). Não me arrependi. Mas sem querer, enquanto estudo um autor, acabo andando com ele por aí embutindo na minha visão de mundo ainda que temporariamente. Pois por sete dias vi o mundo com um pouco dos olhos viciados à escrita de Jane. Esse era o meu contexto bem particular. Fui a campo.

Na verdade, saí do Engenho do Mato para ser ouvinte em um debate nas redondezas sobre saneamento básico. Comecei distraído. E eis que a pessoa com o microfone fala que a fiscalização ambiental no Brasil é virtual. “Jura que ele também está lendo o livro da Jane?”, pensei fazendo o sentido completamente errado da coincidência de Estados virtuais. Mas o canal se abriu. O meio ofereceu um estímulo à minha atenção. Coisa que nenhuma oratória conseguiria prever ou recomendar naquele momento.

O surreal Estado virtual

Obviamente, meu superego não levou mais que alguns segundos para zombar do meu intelectualismo e me trazer de volta ao planeta terra do meu grande engenho brasileiro, separando trigo e joio. O virtual era irreal. E não dá para negar que, se fossem repetir título e fotografia do livro para uma versão brasileira, com o Congresso Nacional no lugar do Capitólio, seria preciso mudar pelo menos o subtítulo. Explicar a confusão. No meu evento, a piada pronta do Estado virtual brasileiro era apenas um comentário à impossibilidade de um só fiscal dar conta de todo saneamento do estado do Rio de Janeiro, esse surreal.

Mas existem outros usos para o termo Estado Virtual bem mais tecnológico e seriamente institucional. O livro de Jane articula, com uma robusta erudição multidisciplinar — da sociologia à administração, à tecnologia da informação e até a psicologia comportamental — conceitos que dão substância a um entendimento bem fácil sobre sua versão das agências de governos virtuais.

O real Estado Virtual

Ela narra a história da transformação das burocracias norte americanas que passaram a ser orientadas pelo movimento da Nova Administração Pública, especialmente no governo Clinton. Na época, uma revisão de procedimentos e rotinas no âmbito federal, pela modernização informacional, desempregou milhares de servidores públicos, principalmente gerentes intermediários.

O Estado Virtual que não é o tupiniquim se define por ser capaz de interagir com um “cliente” por uma agência virtual que pode nem ter no mundo físico a mesma coerência organizacional que apresenta quando realiza essa interação virtual. O acesso à tal agência pode ser o acesso a várias agências, públicas ou não, simultaneamente em um só lugar mas que estão integradas apenas pelas redes digitais. É bem diferente de um Estado precário incapaz de atender seu cidadão.

Mas ainda assim com todas essas inovações, a autora argumenta que o principal teórico das burocracias do século XIX, Weber, ainda reconheceria seu objeto de estudo em nossos tempos de Internet. As práticas de controle, coordenação, ajustes para padronização de procedimentos e pessoas, a rigorosa hierarquia, tudo continua mais ou menos aí disfarçados ou embutidos em sistemas informacionais ou nas competências cognitivas ou culturais que recorremos ao usá-los.

E aí, alguma coincidência já fez sentido, certo ou errado, virou um estímulo e chamou sua atenção?

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